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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Ver vendo

Dando continuidade aos textos dedicados ao bom uso dos nossos cinco sentidos (para quem faltou a aula ou não se lembrava como eu, são eles: audição, olfato, visão, paladar e tato), vou compartilhar com vocês um texto indicado por minha professora, chamado “Ver, vendo”.
Desde criança sempre fui melhor observadora e boa “degustadora” dos quitutes da Tótinha, vulgo, minha mãe,  do que boa ouvinte. Gosto de observar tudo, o jeito de falar das pessoas, andar, vestir, paisagens, os carros passando apressados pela marginal, meus sobrinhos brincando, um bom filme... E por aí vai... Mas será que estou utilizando o sentido mais fantástico adequadamente? Será que quando vejo, vejo também com os olhos do coração? (Parafraseando Antoine Saint Exupéry, obrigada seu lindo).


Todos os dias pela manhã, ao passar pela catraca da estação, havia em pé um senhor japonês, funcionário da estação, que muito educadamente desejava à todos abaixando a cabeça com delicadeza “Bom dia.” Eu mais por obrigação do que por simpatia (porque 7h da manhã é difícil ser simpático com todo mundo, rs) respondia de volta “Bom dia.” E por aí se passaram alguns poucos anos, até que um dia me perguntei, qual será o nome daquele senhor? Poxa, ele é tão simpático com todo mundo, mas será que todo mundo é simpático com ele? (Claro que não). Ele poderia fazer simplesmente seu trabalho, permanecer ali de pé com suas obrigações do dia-a-dia. Mas não. Ele quis ser diferente, queria ser observado e dizer às pessoas “Oi, estou aqui, bom dia.”
Aí passei a vê-lo vendo, pensando no sentido que fazia ele estar ali e o quanto o seu “bom dia” fazia um bem danado. 
Infelizmente eu sou tímida o bastante para não perguntar seu nome e acredito que ele deva ter sido transferido ou algo do tipo, pois nunca mais o vi, mas pelo menos enquanto esteve ali eu o vi vendo.
Às vezes é tão simples observar com o coração e fazemos disso algo tão complexo.

(Aprendi ontem a diferença de complexo e difícil – complexo é o contrário de simples e difícil o contrário de fácil... Ambas são coisas totalmente distintas. Tchãn!)

VER VENDO
OTTO LARA REZENDE


De tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo.
Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver...
Parece fácil, mas não é.
O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade...
O campo visual da nossa rotina é como um vazio...
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta...
Se alguém lhe perguntar o que você vê no seu caminho, você não sabe...
De tanto ver, você não vê...
Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio de seu escritório.
Lá estava sempre, pontual, o mesmo porteiro...
Dava-lhe um bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência.
Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia?
Não fazia a mínima ideia...
Em 32 anos, nunca o vi... Para ser notado, o porteiro teve que morrer...
Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém desse por sua ausência.
O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem...
Mas há sempre o que ver...
Gente, coisas, bichos...
E vemos?
Não, não vemos...
Uma criança vê o que um adulto não vê...
Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo...
O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê...
Há pai que nunca viu o próprio filho...
Marido que nunca viu a própria mulher (e desconhece os seus segredos e desejos), isso existe às pampas...
Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos...
É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.


Que tal começar agora?
Observa a sua esposa dormindo, a sua serenidade, fragilidade, seu filho (a) como ele respira tranquilamente sonhando com a sua infância tão linda e livre, sua mãe lendo um livro com seus olhos atentos e focados, mas também tão atentos à você, aquele moço que todo dia espera ônibus com você, mas você nunca lhe desejou um “bom dia.”, seu cachorro, sua planta, sua casa, a fruta na fruteira, o buraco na rua, a lâmpada quebrada no poste, o mendigo sentado na guia da calçada esperando a esperança.
Pode ser complexo, mas nunca será difícil. É mais simples do que parece ser e mais fácil do que não observar.

Machu Picchu - Peru - Nov/2012
Observando, vendo...

:)

Veja (vendo) só!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Escutatória


Primeiro post é sempre uma responsabilidade danada, porque se não for bom o suficiente quem ler nunca mais vai querer voltar a visitar o blog...rs
Igual quando vamos a uma loja em que somos mal atendidos, ou em algum restaurante e a comida é ruim.


*Depois de 1 hora juntando as palavras, digitando e apagando*

É injusto aprendermos e não compartilharmos, se você não compartilha o que aprende, na verdade não se aprendeu se apreende.

Portanto, pretendo e vou conseguir (se o pouco tempo que me sobrar permitir) publicar aqui coisas que achar legal compartilhar, sejam elas textos (meus ou não), situações, causos, imagens, vídeos etc.


Li um texto essa semana que me causou um impacto muito grande, ‘tocou na ferida’ sabe? rs

Por que quando li não vi ninguém, só eu mesma... E quando se lê um texto crítico e você vê a si mesmo é porque a coisa é séria.

Gostaria de compartilhá-lo e assim deixar a reflexão, que você questione a si mesmo e se transforme de alguma forma. Essa é a intenção.

Escutatória – Rubem Alves

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir...
Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai querer se matricular. 
Escutar é complicado e sutil.
Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma.” Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos.

Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas – coitadinhas delas – entram e caem num mar de ideias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvido para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.” Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg – citado por Murilo Mendes : “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas”. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos o mais bonito.




Talvez a sua ferida nem coce, é um risco que corro, mas se coçar uma de mil que aqui ler, não que eu me contente com pouco, mas sentirei que fiz a minha parte.

Já fiz a matrícula no curso de escutatória e você? :)