Dando continuidade aos textos dedicados ao bom uso dos
nossos cinco sentidos (para quem faltou a aula ou não se lembrava como eu, são eles: audição, olfato, visão,
paladar e tato), vou compartilhar com vocês um texto indicado por minha
professora, chamado “Ver, vendo”.
Desde criança sempre fui melhor observadora e boa “degustadora”
dos quitutes da Tótinha, vulgo, minha mãe,
do que boa ouvinte. Gosto de observar tudo, o jeito de falar das pessoas,
andar, vestir, paisagens, os carros passando apressados pela marginal, meus
sobrinhos brincando, um bom filme... E por aí vai... Mas será que estou
utilizando o sentido mais fantástico adequadamente? Será que quando vejo, vejo
também com os olhos do coração? (Parafraseando Antoine Saint Exupéry, obrigada
seu lindo).
Todos os dias pela manhã, ao passar pela catraca da estação, havia em pé um senhor japonês, funcionário da estação, que muito educadamente desejava à todos abaixando a cabeça com delicadeza “Bom dia.” Eu mais por
obrigação do que por simpatia (porque 7h da manhã é difícil ser simpático com
todo mundo, rs) respondia de volta “Bom dia.” E por aí se passaram alguns poucos anos,
até que um dia me perguntei, qual será o nome daquele senhor? Poxa, ele é tão
simpático com todo mundo, mas será que todo mundo é simpático com ele? (Claro
que não). Ele poderia fazer simplesmente seu trabalho, permanecer ali de pé com suas obrigações do dia-a-dia. Mas
não. Ele quis ser diferente, queria ser observado e dizer às pessoas “Oi, estou
aqui, bom dia.”
Aí passei a vê-lo vendo, pensando no sentido que fazia ele estar ali e o quanto
o seu “bom dia” fazia um bem danado.
Infelizmente eu sou tímida o bastante para não perguntar seu nome e acredito que
ele deva ter sido transferido ou algo do tipo, pois nunca mais o vi, mas pelo
menos enquanto esteve ali eu o vi vendo.
Às vezes é tão simples observar com o coração e fazemos
disso algo tão complexo.
(Aprendi ontem a diferença de complexo e difícil – complexo é
o contrário de simples e difícil o contrário de fácil... Ambas são coisas
totalmente distintas. Tchãn!)
VER VENDO
OTTO LARA REZENDE
De tanto ver,
a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo.
Experimente
ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver...
Parece
fácil, mas não é.
O que nos
cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade...
O campo
visual da nossa rotina é como um vazio...
Você sai
todo dia, por exemplo, pela mesma porta...
Se alguém
lhe perguntar o que você vê no seu caminho, você não sabe...
De tanto
ver, você não vê...
Sei de um
profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio de seu
escritório.
Lá estava sempre,
pontual, o mesmo porteiro...
Dava-lhe um
bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência.
Um dia o
porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era
ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia?
Não fazia a
mínima ideia...
Em 32 anos,
nunca o vi... Para ser notado, o porteiro teve que morrer...
Se um dia no
seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém
desse por sua ausência.
O hábito
suja os olhos e lhes baixa a voltagem...
Mas há
sempre o que ver...
Gente,
coisas, bichos...
E vemos?
Não, não
vemos...
Uma criança
vê o que um adulto não vê...
Tem olhos
atentos e limpos para o espetáculo do mundo...
O poeta é
capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê...
Há pai que
nunca viu o próprio filho...
Marido que
nunca viu a própria mulher (e desconhece os seus segredos e desejos), isso
existe às pampas...
Nossos olhos
se gastam no dia-a-dia, opacos...
É por aí que
se instala no coração o monstro da indiferença.
Que tal começar agora?
Observa a sua esposa dormindo, a sua serenidade, fragilidade, seu filho (a)
como ele respira tranquilamente sonhando com a sua infância tão linda e livre,
sua mãe lendo um livro com seus olhos atentos e focados, mas também tão atentos
à você, aquele moço que todo dia espera ônibus com você, mas você nunca lhe desejou um “bom dia.”, seu cachorro, sua planta, sua casa, a fruta na
fruteira, o buraco na rua, a lâmpada quebrada no poste, o mendigo sentado na
guia da calçada esperando a esperança.
Pode ser complexo, mas nunca será difícil. É mais simples do
que parece ser e mais fácil do que não observar.
Machu Picchu - Peru - Nov/2012 Observando, vendo... |
:)
Veja (vendo) só!
Jeka, cada dia mais lindo os seu post, inspirador, então vamos observar sempre tudo que esta ao nosso redor...beijos
ResponderExcluirMuito bom essa texto...e muito verdadeiro também, vemos não vendo.
ResponderExcluirAmei o blog Je...ta lindo! =)